segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O COMÉRCIO DE CABEÇAS MAORI

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A preservação de cabeças era uma tradição maori reservada aos que tinham seus rostos decorados pela ta moko. Quando a pessoa falecia, sua cabeça era retirada e preservada: primeiramente, removia-se o cérebro e os olhos e todos os orifícios eram selados com fibra de filaça (também conhecida como linho-da-Nova-Zelândia) e resina de kauri (uma árvore da região); a cabeça era, então, fervida ou cozinhada em um forno, antes de ser defumada em uma fogueira aberta e depois colocada por vários dias ao sol para secar; terminado o processo, era tratada com óleo de fígado de tubarão. Essas cabeças, chamadas de mokomokai, eram mantidas pela família do morto em caixas ornamentadas e retiradas apenas em ocasiões de cerimônias sagradas.
Em combates, quando chefes eram assassinados, suas cabeças também eram preservadas pela tribo inimiga como troféus de guerra, exibidas no marae (um local sagrado que era usado para eventos religiosos e sociais) e eram até zombadas pelos habitantes das tribos amigas que dividiam o local. Essas cabeças eram peças importantes de negociação entre as tribos inimigas, pois sua troca ou devolução era essencial para selar uma trégua ou um tratado de paz.
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Sabe-se que o botânico que viajava no navio do Capitão Cook, Joseph Banks, “comprou” a cabeça de um adolescente, dando, em troca, um par de ceroulas de segunda mão ao maori que a levava em seu barco. O ano era 1770!
Nos séculos XVIII e XIX, exploradores ingleses chegaram à Oceania, procurando desbravar terras que ainda não haviam sido colonizadas, como a Nova Zelândia, onde praticamente nenhum europeu vivia em terra firme. Ali, viviam os tatuados maoris, cujas cabeças preservadas e belos ornamentos esculpidos em jade chamaram a atenção dos europeus recém-chegados.
Entre os navegadores estava William Tucker que, em 1815, chegou a morar com uma mulher maori, estabelecendo-se na praia Whareakeake (mais tarde chamada de Murdering Beach, ou “Praia do Assassinato”) onde criava cabras e ovelhas. Esse local ficou conhecido após arqueólogos encontrarem, ali, grande quantidade de jade trabalhada, que pareciam ser hei-tikis (pingentes maori) – mais tarde, identificaram que as peças pareciam ter sido produzidas para comercialização no exterior. Aparentemente, aquilo era parte dos negócios de Tucker, que era chamado de “Taka” (uma adaptação de seu sobrenome) ou “Wioree” (provavelmente por causa da versão diminutiva de seu nome, “Willy) pelos maori.
Tucker deixa o local para ir a Hobart, capital do estado australiano da Tasmania, e, ao retornar, em 1817, traz consigo outros viajantes. Ao chegar na Nova Zelândia, Wioree foi bem recebido pelos nativos, menos pelo chefe Korako, que se recusou a sair de Whareakeake, ao norte, para ir ver os visitantes e receber seus presentes.
Chegando em Whareakeake, Tucker, o capitão James Kelly e cinco outros viajantes foram bem recebidos inicialmente, mas quando Tucker deixa o grupo para ir até sua casa, os demais são emboscados pelos maori. Fugindo em um barco, Tucker e o capitão sobreviveram, mas Wioree foi atingido com uma lança e morreu.
O motivo do ataque é incerto; alguns dizem que havia um ressentimento do chefe Korako por não ter sido o primeiro a receber os presentes, outros acreditam que tenha sido uma consequência do roubo de uma camiseta, uma faca e outros artefatos, tirados de um navio por um chefe maori. De fato, o episódio deu origem a uma guerra em 1810 e que só foi terminar em 1823. Uma última hipótese diz respeito à vingança pelo roubo de uma cabeça em 1817, que Wioree teria levado consigo ao voltar para a Austrália.
O comércio de cabeças ganhou força no período das Guerras dos Mosquetes, uma série de batalhas entre os anos de 1807 e 1842, entre tribos maori da Nova Zelândia e das Ilhas Chatham. As batalhas começaram quando tribos rivais do norte da Nova Zelândia adquiriram armas de fogo que passaram a ser usadas em seus conflitos, atingindo também tribos vizinhas. A brutalidade dessas guerras ficou marcada por atos como o incêndio de vilas inteiras, tortura, escravidão e canibalismo.
Durante as batalhas, muitas tribos ofereceram cabeças tatuadas, itens apreciados pelos europeus como peças de arte ou de coleção, em troca de armamento e munição. A demanda por armas era tanta que tribos eram dizimadas para a obtenção de cabeças. Alguns chegavam a recorrer à falsificação, tatuando escravos e prisioneiros com imagens aleatórias e sem significado para que suas cabeças fossem vendidas como mokomokais genuínas. Nas cabeças tatuadas após a decapitação, a tinta se desbotava por completo depois de um tempo, revelando a farsa.
O ápice do comércio de cabeças foi entre as décadas de 1820 e 1830, chegando ao ponto de chefes de tribos aceitarem encomendas prévias, antes de obterem as cabeças. Em 1831, o governador da Nova Gales do Sul proibiu o negócio e a demanda por armas também vinha diminuindo gradativamente, devida à saturação do mercado. Por volta de 1840, quando a Nova Zelândia se tornou oficialmente uma colônia britânica, o comércio de cabeças terminou e a prática da tatuagem entrou em declínio entre as tribos maori – apesar de, ocasionalmente, ainda ocorrer uma venda ou outra dos artefatos.
Uma das mais famosas coleções de cabeças maori pertenceu ao major-general Horatio Gordon Robley, um militar britânico e artista que serviu na Nova Zelândia na década de 1860. Renomado como ilustrador, Robley era interessado em etnologia e fascinado pela arte maori da tatuagem, o que o levou a escrever um clássico artigo intitulado Moko; or Maori Tattooing (publicado em 1896). Retornando à Inglaterra, ele montou uma coleção que possuía entre 35 e 40 cabeças, que posteriormente tentou vender ao governo neozelandês. Uma vez que a proposta não foi aceita, a maior parte da coleção acabou sendo vendida para o Museu Americano de História Natural.
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Robley com sua coleção
Nos últimos 30 anos vem acontecendo uma campanha para que as centenas de cabeças espalhadas pelo mundo, expostas em museus ou guardadas em coleções particulares, sejam repatriadas, devolvidas às famílias maori ou ao Museu da Nova Zelândia, para armazenamento. Desde 1990, o Museu Nacional apropriou-se de 322 restos mortais, incluindo cabeças, vindas de 14 países. Apesar do relativo sucesso em conseguir alguns artefatos de volta, outros permanecem no exterior e a campanha continua, por um esforço do curador da coleção maori do Museu Memorial de Guerra de Auckland.
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