quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

HORIHIDE E A TRADIÇÃO JAPONESA

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Kazuo Oguri, também conhecido como Horihide – seu nome como tatuador -, foi o primeiro tatuador japonês a viajar para os Estados Unidos após a Segunda Grande Guerra. Ele viajou em 1970 para o Hawaii para se encontrar com Sailor Jerry e ensiná-lo a arte japonesa – posteriormente, ele também foi mentor de Don Ed Hardy, aprendiz de Sailor Jerry que viajou ao Japão para conhecer melhor a tatuagem tradicional. Ele calcula que está com 86 anos e mesmo com a idade avançada ainda tatua diariamente. Oguri fundou o Instituto Japonês de Tatuagem e o Clube de Tatuagem de Tokai.
O treinamento para se tornar um mestre tatuador, quando Oguri se tornou aprendiz, ainda conservava características do Japão feudal e o costume do aprendizado, chamado uchideshi, moldava não apenas as habilidades, mas a mente de quem se submetia ao duro sistema. Os pupilos viviam com seus mestres por um período de 5 anos e, depois, pelo primeiro ano em que trabalhavam de forma independente, doavam todos os seus ganhos para o mestre, em sinal de gratidão – um costume chamado oreiboko.
Quando pupilo, Oguri dormia no local de trabalho de seu mestre e, desejando tornar-se tatuador o mais rápido possível, pegava as ferramentas do mentor para praticar em suas próprias coxas, sem a tinta, imitando os movimentos que observava o mestre fazendo. A ferramenta que usava era um pequeno bastão de bambu, grosso e de comprimento de aproximadamente 20cm, para fazer o contorno (sujibori). A ponta do bastão era afiada e 6 ou 7 agulhas, com pontas que mediam entre 3 e 4mm, eram amarradas com uma linha de seda. Como não sabia manusear as ferramentas nem os ângulos corretos, às vezes ele penetrava demais a agulha em sua pele, que sangrava e inchava. As marcas de pequenos círculos e quadrados dos movimentos executados por Oguri ainda estão em suas coxas, apesar de esmaecidas pelo tempo.
Nos primeiros 2 anos de aprendizado os pupilos devem apenas realizar tarefas como limpar a casa, segundo os mestres, para que possam desenvolver disciplina, uma vez que, aos tatuadores, não é permitido cometer erros. Somente se completar os 2 anos iniciais é que o mestre o ensinará a tatuar aos poucos. Durante esse período, Oguri podia treinar esboços com base nos desenhos de seu mestre, após o dia de trabalho. Se ele não tivesse mais tarefas a fazer durante o dia, podia sentar e observar o mestre trabalhar à distância.
Não é de se admirar que muitos acabassem desistindo do aprendizado e fugindo. Oguri relata que seu mestre gritava e batia nele sem motivo aparente, mas ele aguentava, por acreditar que estaria treinando sua mente para o futuro. Acordando todos os dias às 5 da manhã, o aprendiz varria toda a casa e o lado de fora, além de limpar o chão com um pedaço de tecido. No inverno, seus dedos ficavam dormentes pela água fria e feridos. Não lhe era permitido comer mais que uma tigela de sopa e uma refeição com arroz, pois ele estava em treinamento e a quantidade de alimentos era escassa, logo após a Segunda Guerra. Oguri conta que tinha 19 anos e estava sempre com fome. E ainda que odiasse seu mestre durante o tempo em que foi aprendiz, hoje, ao olhar para trás, diz ter vergonha dos sentimentos negativos que nutrira.
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A tatuagem foi proibida no Japão no início da era Meiji, ainda no século XIX, e a lei só foi revogada em 1948, durante a ocupação do país pelas Forças Aliadas, após a Segunda Guerra. Assim, tatuadores no Japão trabalhavam em suas casas para não chamar a atenção, sem fazer uso de propagandas nem placas, sendo possível chegar até eles apenas por indicação de alguém que já tivesse se tatuado. Os clientes que chegavam ao “estúdio” faziam hitoppori (termo em japonês para ser tatuado pelo período de 2 horas a cada dia). Se o trabalho feito fosse muito grande, marcavam-se hitoppori a cada 3 dias.
Atualmente, o número de tatuadores que se submetem ao aprendizado tradicional é bastante reduzido e quase não há mais os que fazem o contorno por meio dotebori, optando pelas máquinas elétricas. Oguri também lamenta que a maioria apenas copie os desenhos já feitos, sem saber trabalhá-los nem criá-los diretamente na pele. Muitos dos significados e dos conhecimentos tradicionais também se perderam e aponta alguns erros que vê com frequência em dias atuais: as carpas subindo a correnteza, por exemplo, não podem ser representadas junto com peônias, mas a migração das carpas ocorre durante o outono, quando não há peônias, e a carpa deveria ser acompanhada por folhas de carvalho; cobras não podem ser vistas junto com flores de cerejeira, pois a cobra hiberna durante o período em que as cerejeiras florescem.
Oguri acredita que as tatuagens devem poder ser apreciadas à distância com o passar dos anos, por isso não podem ser extremamente detalhadas, mas com traços grossos. “Como esculturas, as tatuagens devem ser rudes e drásticas de certa forma”, diz.
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