quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Um Papai Noel com piercings e tatuagens

Por baixo da famosa roupa vermelha, dois piercings nos mamilos e 94% do corpo tatuado. Se o trenó do Papai Noel do Shopping Center Norte tivesse som, não haveria espaço para músicas natalinas. A viagem do Polo Norte até São Paulo teria como trilha sonora AC/DC e Black Sabbath.
 - Alex Silva/Estadão
Alex Silva/Estadão
Nas quatro horas diárias em que atende centenas de crianças no centro de compras, Vitor Sanchez Martins, de 58 anos, reflete a imagem mais tradicional do Bom Velhinho: barba e cabelos brancos naturais, bochechas rosadas, barriguinha saliente. Fora do trabalho, ele chama a atenção exatamente por ter um estilo diferente da maioria dos Noéis.
"Só não tenho tatuagem no rosto porque me impediria de trabalhar, mas o resto do corpo é fechado (por desenhos). Tenho tatuagem desde o contorno da unha do pé até atrás da orelha", conta. A barba longa cobre as tatuagens do pescoço. As luvas brancas tapam os desenhos das mãos. Para as crianças, nenhum indício de que aquele é um Bom Velhinho de estilo radical.
Publicitário e artista plástico no resto do ano, Martins fez a primeira tatuagem aos 33 anos e, desde o início, tinha como plano preencher todo o corpo com desenhos. "Não fiz antes porque trabalhava como publicitário, e podia me atrapalhar na busca de emprego. Quando eu vi que queria seguir na área das artes, comecei as tatuagens."
Aos 46 anos, ele já estava com 94% do corpo coberto. Na mesma época, começou, por acaso, a atuar como Papai Noel.
"Foi esse jeito diferente que me fez começar na vida de Papai Noel. Nunca fui certinho. Sempre fui meio louco, gostei de usar barba grande. Numa dessas, há uns 13 anos, como minha barba já era grisalha, um amigo fotógrafo teve essa visão, fez um book e mandou para uma agência. Foi quando me chamaram para o primeiro trabalho, numa loja", conta.
Engana-se quem pensa que as tatuagens impedem Martins de conseguir trabalho. "Elas acabam sendo um diferencial quando alguém precisa de algum Papai Noel exclusivo. Hoje faço shopping, comerciais, programa de TV. Neste ano, vou ganhar mais em dois meses do que ganho no ano inteiro como artista plástico", conta.








Mosaico. No corpo de Martins, há espaço para todos os estilos e temas. Numa das pernas, o rosto do ídolo Raul Seixas. No braço, a imagem de uma carpa. Na barriga e no outro braço, o rosto de um Papai Noel e desenhos natalinos.
"Não gastei praticamente nada com todas essas tatuagens porque os tatuadores me usavam como propaganda. Eles faziam os desenhos, assinavam o nome do estúdio e eu era uma forma de divulgar o trabalho deles", conta. Segundo Martins, 25 tatuadores fizeram trabalhos no corpo dele.
Essa abertura para a diversidade artística, porém, acabou fazendo com que Martins levasse um "apavoro" da Polícia Militar antes de virar Papai Noel. "Tatuei uma caveira no braço, sem saber que era a imagem de matador de polícia. Uma vez, faz tempo, acabei apanhando dos PMs quando fui abordado no centro. Sorte que eu não tinha passagem", lembra. Depois do susto, o Papai Noel rock n'roll preferiu cobrir a caveira com outro desenho para evitar novas polêmicas.
O visual radical e o jeito despachado dão lugar à ternura quando ele fala das crianças que atende. "O mais legal de ser Papai Noel é ver os olhinhos dos pequenos. Parecem duas luzinhas", diz.

Noel em dobro.
 No Shopping Taboão, na Grande São Paulo, o Bom Velhinho também desperta curiosidade, mas não é pelo visual inusitado. Lá, os dois senhores que interpretam o Papai Noel são irmãos gêmeos.
"Comecei no ramo há 23 anos. Trabalho em shopping, faço comercial, visitas em casas. Há uns oito anos, convenci meu irmão a deixar a barba e o cabelo crescer. Desde os 13 anos, a gente tem cabelo branco, tinha de aproveitar. Se um Papai Noel original já é valorizado, imagine dois", diz José da Reissureição, de 67 anos, referindo-se aos intérpretes que têm barba e cabelos naturais.
O irmão, Domingos da Reissurreição, concorda. "Aqui no shopping, a gente fez o contrato conjunto. Tem uma camaradagem que não existiria se fosse com outro Papai Noel. Quando um precisa faltar, o outro cobre, e ninguém percebe", conta ele. "Para mim, foi ótimo. Meu irmão já tinha muita clientela e ele não consegue atender todo mundo, então vai passando para mim", completa.
No dia 24, cada um deverá fazer 15 visitas domiciliares. "O nosso Natal mesmo a gente só consegue comemorar no dia 25 ou depois, mas vale a pena. É legal essa vida de celebridade. A pior parte da profissão é quando chega o dia 26 e volta tudo ao normal", diz José.

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